Cires Pereira
Muitos conhecem a famosa parábola
bíblica do “filho pródigo” e sua máxima “O bom filho à casa do pai, retorna”.
Rembrandt van Rijn, mestre do barroco seiscentista holandês, mais que conheceu,
retratou esta passagem bíblica como ninguém.
Nesta obra, concebida nos últimos
anos de sua vida, Rembrandt retrata o momento em que o filho, maltrapilho, se
ajoelha diante do pai que o acolhe com um olhar e um abraço generosos,
acompanhado por três personagens, provavelmente os outros filhos. Os olhares
destes três sobre o abraço paternal são leves e sugerem a satisfação e a
aprovação e, em certa medida, os nossos também os são. Sinto-me representado
pelo juízo de aprovação dos demais filhos à acolhida efusiva do pai ao filho
pródigo.
Este é um dos pontos altos da concepção do Mestre.



Neste ponto, fica clara a contrariedade de Rembrandt com o texto bíblico que salienta a desaprovação pelo menos de um destes filhos ao acolhimento de seu pai. Na parábola do evangelista Lucas, o filho mais velho teve seu orgulho ferido ante a incompreensível atitude de acolhimento do pai, o que fez com que se negasse a participar da festa em homenagem àquele filho que se “perdera pela vida”, identificando-o, ao dirigir-se ao pai, como “esse teu filho”, demonstrando ódio e frustração por não ter a mesma deferência do pai ao seu irmão, apesar de seu esforço e sua obediência às ordens paternas.
Rembrandt reitera a bondade
humana, muito presente no conjunto de sua obra como “A Noiva Judia”, uma das
mais famosas do Mestre holandês, ao lado da monumental “A Ronda Noturna” e da emblemática
“Aula de Anatomia do Dr. Tulip”.
Não dá pra compreender a obra de Rembrandt
se não admitirmos duas fases distintas e que se completam:
A primeira fase, muito inclinada
à temática bíblica, como era notória também no Barroco. Nesta fase os tons mais
escuros dialogam com a forte claridade das formas e essências dos personagens e
coisas que o autor queria enaltecer. Enfim há muita expressividade e impacto em
suas obras.
A segunda fase, que se inicia nos
anos 1640, Rembrandt faz muito uso de tons dourados aproximando-se muito da
técnica aprimorada pelos grandes pintores italianos como Leonardo da Vinci e Caravággio,
denominada “chiaroscuro”, marcada pelo contraste entre a luz e a sombra. A luz deixa
de ser forma e, de modo definitivo, torna-se essência na obra.
Nela é notória a técnica do
chiaroscuro e o protagonismo da luz ensejada por tonalidades claras em meio ao predomínio
do escuro opaco. O artistas já tinha feito alguns desenhos e croquis sobre esta
temática bíblica, portanto neste quadro há uma confluência de seus olhares a
respeito. Melhor ainda, pois se nota o tom professoral ou didático do artista
na retratação da passagem bíblica, neste ponto o Renascimento e o Barroco foram
muito convergentes.
“O Retorno do Filho Pródigo”, é
um óleo sobre tela de 2,62 X 2,05 metros, concluída em 1668. Não conheço ainda a
tela original, ela integra o acervo do Museu Hermitage de São Petersburgo na
Rússia e foi adquirida pela Czarina Catarina no final do século XVIII,
certamente é uma das principais atrações deste gigantesco Museu. Entretanto,
fui a uma exposição intitulada “Os Mestres do Barroco”, no Rijksmuseum de Amsterdã
no início de 2020. Nesta exposição, havia grande parte das obras de Rembrandt e
do espanhol Diego Velásquez, dentre as quais, uma cópia autorizada do “Retorno
do Filho Pródigo”.
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