Cires Pereira
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Gil no Bloco carnavalesco "Filhos de Gandhi" |
"Se eu quiser falar com
Deus" foi concebida pelo compositor Gilberto Gil em 1980, Gil disse que a
concebeu para atender a um pedido do cantor Roberto Carlos, leiam o que Gil
disse a este respeito.
" O Roberto me pediu uma canção; do que eu vou falar? Ele é tão religioso - e se eu quiser falar de Deus? E se eu quiser falar de falar com Deus?' Com esses pensamentos e inquirições feitas durante uma sesta, dei início a uma exaustiva enumeração: 'Se eu quiser falar com Deus, tenho que isso, que aquilo, que aquilo outro'. E saí. À noite voltei e organizei as frases em três estrofes.
"O que chegou a mim como tendo sido a reação dele, Roberto Carlos, foi que ele disse que aquela não era a ideia de Deus que ele tem. 'O Deus desconhecido'. Ali, a configuração não é a de um Deus nítido, com um perfil claro, definido. A canção (mais filosofal, nesse sentido, do que religiosa) não é necessariamente sobre um Deus, mas sobre a realidade última; o vazio de Deus: o vazio-Deus."
Gil usa, comumente, a temática
religiosa e o faz com muito respeito, pois tem a consciência da importância
da(s) religiosidade(s) na vida de todos. Algumas de suas composições tem nos
revelado uma religiosidade bastante inclusiva e sempre numa perspectiva
ecumênica que concede espaço comum para religiosidades que vão muito além
daquelas professadas pela maioria da sociedade como as religiosidades indígenas,
orientais e afro-brasileiras. A religiosidade de origem africana tem recebido
um tratamento especial (Gil é afrodescendente e baiano), são os casos de
algumas canções como "Axé babá", "Iemanjá", "Omã
Iaô", "Réquiem para Mãe Menininha do Gantois" (esta belamente
interpretada por Gal Costa e Maria Bethânia), etc
Gil faz uma espécie de apologia à
comunicação com Deus com ou sem a
intermediação do clérigo(s) ou da(s) instituição(ões) religiosas, nesta
comunicação/relação exige-se o reconhecimento da distinção radical entre o
divino e o humano além do abandono de si mesmo e a passagem pela dor:
"tenho que me achar medonho tenho que me achar tristonho; tenho que comer o pão que o diabo amassou".
A divindade evocada nesta canção
não tem uma definição, pois a preocupação central é apontar meios ou como fazer
para "falar com Deus". Ao longo do "texto" Gil expõe o quão
é complexo o encontro com Deus, senão vejamos:
"Se eu quiser falar com Deus Tenho que aceitar a dor. Tenho que comer o pão Que o diabo amassou. Tenho que virar um cão. Tenho que lamber o chão. Dos palácios, dos castelos. Suntuosos do meu sonho. Tenho que me ver tristonho. E apesar de um mal tamanho. Alegrar meu coração."
Notem que depois de tanta
abnegação e esforço a recompensa se traduz na "Alegrar meu coração".
Ir ao encontro de Deus significa pra Gil esforço e o encontro com Deus a
recompensa expressa na alegria do ser.
A ideia de um Deus indefinido
fica enfim bastante clara no final da composição, pois após muito esforço
encontramo-nos com Deus e que isto é motivo de alegria, mesmo que não se
confirme a hipótese sobre Deus. Esta passagem é absolutamente profunda e a que mais
gosto, a meu ver colide de frente com as verdades absolutas propugnadas pelas
religiosidades movidas por propósitos estranhos à Deus inclusive, pois
reconhece que em nosso encontro com Deus encontraremos um Deus que não é Aquele
que imaginávamos ou que nos foram impostos.
"Dar as costas, caminhar Decidido, pela estrada. Que ao findar vai dar em nada. Nada, nada, nada, nada. Nada, nada, nada, nada Nada, nada, nada, nada. Do que eu pensava encontrar."
"Dar as costas, caminhar Decidido, pela estrada. Que ao findar vai dar em nada. Nada, nada, nada, nada. Nada, nada, nada, nada Nada, nada, nada, nada. Do que eu pensava encontrar."
Achei por bem apresentar duas
interpretações, a primeira de Elza Soares, não apenas por conta da admiração
que tenho por ela, não hesito em afirmar de que se trata de uma das melhores
intérpretes da música mundial, sem exageros perfilaria Elza ao lado de
intérpretes do quilate de Bidu Sayão, Marlene Dietrich, Sarah Vaughan, Alberta
Hunter, Edith Piaf e Montserrat Caballé. Elza coloca toda a sua emoção,
escancara todos os seus dotes artísticos e desnuda sua alma numa entrega que
impressiona a todos. Elza, a insuperável interprete de "Meu Guri",
definitivamente se supera quando interpreta "Se eu quiser falar com Deus.
Acesse
https://www.youtube.com/watch?v=A9h6F9sOOA0
Acesse
https://www.youtube.com/watch?v=A9h6F9sOOA0
E a segunda interpretação é do
próprio Gilberto Gil que, por tudo o que foi dito sobre sua música, dispensa
comentários.
"Se eu quiser falar com Deus"
é uma ode à liberdade de concepção, à liberdade de culto, portanto uma crítica
contundente, consequente e pertinente às instituições religiosas que ao longo
da história tem usado o nome de seu (s) Deus (es) para justificarem sua
intolerância.
É acima de tudo uma ode a Deus! E
que este "Deus" te abençoe!
"Se eu quiser falar com Deus" (Gilberto Gil)
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
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